quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Latido (por Miguel Troncão)

pai Nosso, onde quer que estejas, santificado seja o Nosso nome,
seja feita a Nossa vontade na terra, que quem está no céu já não quer saber.
começa assim a nova boa nova, o evangelho segundo os melhores e os piores da minha
        geração, e os que não têm geração, e quem mais se quiser juntar,
LAUDEM, LATEM, LUTEM!

nasceram os Cristos,
filhos da Porteira a quem foi fechada a porta, lá a limpa ainda para quem lha
        fechou,
da Doméstica que cozinha sem ter que comer, dobrada na sua fome, esquece a
        angústia que tem,
da Reformada que escolhe entre a renda e a farmácia, só se descobre o corpo
        morto quando o senhorio reclama a renda,
da Desempregada a quem dizem que andou a viver acima das suas possibilidades,
        quando do que ela tem medo é de viver debaixo da ponte,
da Mendiga, de lata na mão, que dorme ali no S. Jorge mas teima em não ir ao cinema,
        há de sempre haver quem tenha má vontade,
da Revolucionária, que de punho erguido grita LIBERDADE, a do povo que é
        oprimido, e a dela que é levada pelos braços comprados da justiça cega,
da Puta que se vende porque tem de ser e da que quer ser, sendo Puta.

mas onde está a virgem?
essa maria pura casta irreal,
não anda de certeza pelas ruas desoladas iguais a quem por elas anda, onde o grito do
        vagabundo se confunde com o latido do seu fiel companheiro,
pelos mercados a tentar fazer o melhor negócio para alimentar a pobreza,
        leviatã de boca escancarada a engordar da barriga vazia,
pelos autocarros às sete da manhã a lutar por um lugar, os únicos quinze minutos em que
        pode fechar os olhos e esquecer o filho que não conseguiu tomar o pequeno-almoço,
pelas tascas a ouvir o fado vadio enquanto bebe uma água ardente, para aquecer o corpo e a
        alma.
a virgem, essa tem um trabalho das nove às cinco, secretária de mogno,
        aquecimento central, salada pré-feita para o almoço, buscar os miúdos às seis,
        jantar, passear o cão, tão bem comportado, nem late, vejam só,
        telenovela, chichi e caminha.

anunciem os Cristos, a nova raça de homens e mulheres e trans e bichas e quem não quer
        ser nada,
raça mundana e da terra, como se quer,
a suar sobre os fornos de uma qualquer cadeia de fast-food, sem perspectivas de
        futuro que não seja o de não quebrar sob o peso da inutilidade, não a deles,
        mas da vida,
ou então, Bom dia, quer aderir ao novo pacote, repetido, repetido, repetido, repetido,
        repetido, repetido, decadência em cadência,
        Bom dia, estamos a fazer uma oferta especial, desliga e volta a ligar,
a levar todos os dias com a santíssima trindade, pai, filho & empreendedorismo Lda,
        o falso profeta, que já não precisa vir vestido com pele de ovelha,
        andar de lobo está na moda,
        Ao menos tens emprego, diz o ilustríssimo empreendedor
        O problema é que as pessoas não querem trabalhar, queixa-se o
        sapientíssimo economista,
        Queremos alguém com completa e total disponibilidade para trabalhar a qualquer hora
        sem nenhuma remuneração, oferece generosamente o empregador,
        já nem para os mandar foder há forças,
rafeiros treinados para o abate,
seres criados para a destruição,
carvão numa fornalha que nunca se extingue,
com Eles arde o mundo, Eles são o mundo,
o problema é que o mundo arde mas o fósforo não se queima.
cão que ladra tem que aprender a morder a mão que finge que o alimenta,
        lamber-lhe os dedos não faz nada.

pelos Cristos, com os Cristos, nos Cristos,
agora e para sempre,

Amen.


Memória Descritiva de "Latido" por Miguel Troncão

Tendo como base o poema "Howl" de Allen Ginsberg, decidi fazer como trabalho criativo um poema que, de certa forma, recriasse o sentimento do sujeito poético em relação à sociedade em que se inseria, como um todo, e àquelas pessoas que o rodeavam todos os dias, que partilhavam com ele a mesma visão da arte e do mundo, a quem ele chama "the best minds of my generation". Tentei perceber quem eram as melhores mentes da minha geração, e se também elas estavam a ser rejeitadas pela sociedade, perseguidas, se haveria, no fundo, algum elo de ligação entre as mentes de hoje e as da Beat Generation. E percebi que o problema já não era só com as melhores mentes, mas sim, de forma geral, com todas as pessoas que sofrem, de uma maneira ou de outra, com os ditames da sociedade e dos governos. Já não era um punhado de intelectuais a rebelar-se contra a sociedade, contra a tirania da maioria, mas era a própria maioria quem agora sofria. Por isso, tentei escrever um poema que abarcasse não as melhores mentes, mas todas as mentes, e que elevasse qualquer um que sofresse.
Comecei o poema baseando-me na nota de rodapé de "Howl" onde o sujeito poético diz que tudo é sagrado, à semelhança de Walt Whitman, e, assim, iniciei com uma versão parodiada da oração modelo que Jesus ensinou no Sermão do Monte. Aqui o foco é nos humanos que oram, e não num Deus que ouve a oração. Tentei estruturar o meu poema à volta desta noção de santidade e de messianismo, nunca associando estes termos a algo celestial ou puro, mas sim ao banal e terreno, ao dia a dia de todas as pessoas. Não há experiências transcendentais, mas sim o esforço de ultrapassar mais um dia, esperando o próximo igual ao anterior.
Um aspecto do poema "Howl" que quis usar foi a catalogação, mais uma vez inspirada em Whitman, que, penso, reforça a noção de rotina e repetição. O meu catálogo aproxima-se talvez mais do de Whitman que do de Ginsberg, por se focar nas camadas mais baixas da sociedade, e não num grupo fechado de pessoas. Porém, à semelhança de Ginsberg, a minha catalogação tem um traço mais político, ou de intervenção social mais directa.

A escolha do título para o meu poema, "Latido", tem uma razão de valor artístico comparativamente ao texto em que se baseia. Sendo "Howl" ("Uivo") um poema bastante melhor que o meu, penso que faz sentido que o meu poema esteja relacionado ao som de um animal inferior ao lobo, mas da mesma família. Ao longo do poema vou tentando repercutir o som do latido, assim como a presença da imagem do cão.

The Revolution Will be Typewritten - Boston Typewriter orchestra 2010


Gary Snyder, poemas de Riprap (1959) - TPC

1. Apresentem uma análise de texto (máx. 300 palavras) do poema "Riprap"
2. Em que medida estes poemas apresenta uma poética diferente do contemporâneo Ginsberg? Há pontos de aproximação? Quais?
Talvez a leitura do ensaio "Tawny Grammar", disponível no livro The Practice of the Wild (http://terebess.hu/zen/mesterek/The-Practice-of-the-Wild-by-Gary-Snyder.pdf) vos ilumine neste Natal :)


domingo, 14 de dezembro de 2014

Reflexões para esta semana - Charles Olson (1910-1970) e Allen Ginsberg (1926-1997)




- Quais as palavras-chave no tocante a como se "mede" a poesia segundo Charles Olson?

- Como contribuem tropos/figuras de estilo para definir e estruturar cada uma das partes de Howl?

e uma pergunta extra: será Howl uma sequência poética ou um poema longo?

A gravação de "Howl" (1955 / 1959) e a nota de rodapé (1956)

Olá,
a Patrícia enviou um link para uma interessante gravação de Ginsberg a dizer o poema Howl em 1959.

No entanto, esta também não contém "Footnote to Howl" escrito em 1956, pelo que aqui têm o link para esta parte, sem a qual o poema não fica completo, http://www.poetryfoundation.org/poem/240700 (podem imprimir e agrafar à antologia, por favor).

Entretanto, aqui uma leitura impressionante também da nota de rodapé.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Asphodel, that Greeny Flower (1955), by William Carlos Williams (excerpt)

Of asphodel, that greeny flower,
                    I come, my sweet,
                                        to sing to you!
My heart rouses
                    thinking to bring you news
                                        of something
that concerns you
                    and concerns many men. Look at
                                        what passes for the new.
You will not find it there but in
                    despised poems.
                                        It is difficult
to get the news from poems
                    yet men die miserably every day
                                        for lack
of what is found there.
                    Hear me out
                                        for I too am concerned
and every man
                    who wants to die at peace in his bed
                                        besides.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

PATERSON, William Carlos Williams (1883-1963) - TPC


Sobre Paterson, William Carlos Williams afirmou: "Paterson is a man (since I am a man) who dives from cliffs and the edges of waterfalls to his death - finally. But for all that he is a woman (since I am not a woman) who is the cliff and the waterfall" (cit. in Spears, Monroe K., "Poetry" in William Carlos Williams: The Critical Heritage, ed. Charles Doyle, Routledge: NY, 1997,  p. 213)

Desta tentativa de achar uma épica feita de linguagens comuns (ou nem tanto), contemporâneas (ou nem tanto), em que a cidade é o homem (ou nem tanto), vamos analisar especialmente em aula os livros I, II e IV (disponíveis, com as suas notas, na reprografia). Sem detrimento de incluir o resto da obra na discussão, podem concentrar-se nestes livros para refletir sobre dois dos seguintes pontos:

1. Voz, sujeito e "personagem" em Paterson: como se relacionam os deíticos I, You e He?

2. Que sentidos de leitura encontramos quando pensamos neste texto como uma possível tentativa de autor/poeta achar uma conciliação com o seu "feminino suplementar" (supplying female é também uma expressão de William Carlos Williams)

3. Inicialmente Paterson foi pensado como um conjunto de 4 livros, acompanhando o curso do rio, sendo que o primeiro corresponderia ao sentido de lugar "above the Falls", o segundo às próprias "Falls", o terceiro a uma reflexão mais propriamente metalinguística (rio/corrente de linguagem e pré-linguagem) e o quarto a uma reminiscência de episódios "below the Falls". Como se reflete este acompanhamento do curso do rio como artifício estruturante da sequência poética?

4. Cada livro de Paterson divide-se em três partes. Que entendimento faz desta divisão? Há correspondência entre as três partes de cada livro?

5. Que poética/poesia encontramos nesta colagem entre poético e apontamentos/recortes do quotidiano?


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Elizabeth Bishop, "The Shampoo" - creative work and analysis by David K Martins


In order to get a greater understanding of the circumstances in which the poem was written and to get a deeper insight into the way the poem fits into Elizabeth Bishop’s oeuvre, I started to research facts about Bishop’s life and poetry in general.
What immediately struck me was the fact that Bishop’s poetry was mostly described as being very impersonal, shy, and private. I found out that she oftentimes tends to set her poetry in nature, in the realm of fantasy, or dreams with odd characters in order to process silenced emotions.
“The Shampoo,” however, offers a very intimate glimpse into Bishop’s very private world. Here, we find a confidence about representing her own intimacy that was completely new to Bishop’s writing. (Harrison, 72)
“The Shampoo” was written near the beginning of Bishops residence in Brazil. In 1951, the forty-year-old poet went on a world cruise. As she suffered an allergic reaction to cashew fruit at the first stop of her trip, i.e. the Santos harbor in Brazil, the poet was forced to stay in the country to recover and cancel the remaining voyage. This stay would eventually be prolonged for another eighteen years. One of the great factors that persuaded her to move to Brazil was the architect Lota de Macedo Soares, whom she knew from living in New York. Meeting again, the two women fell in love with each other and eventually became a couple. (Travisano, 134-5)
The poem “The Shampoo” is a direct homage to her lover Lota, a love poem of a peculiar kind. Although Lota is at no point directly addressed in the poem, an earlier draft helps us establish a connection to Bishop’s longtime partner. The last two lines of this draft were preceded by a line in Portuguese, proclaiming her love to the Brazilian architect with the words “Meu amor.”
These lines were however subsequently removed as the poem received negative critiques from Bishop’s friends and editors. The relationship of the women was seen as indecent and its proliferation in the poem as a break of a taboo. (Harrison, 72)
“The Shampoo”
The poem revolves around love facing the fact of aging, by relying heavily on the image of the addressed lover’s black hair turning white. Bishop veils this image as growing “lichens,” “gray, concentric shocks,” or “flocking,” “shooting stars.” Unlike traditional love poetry, age and its manifestation in a person’s white hair are not ignored but celebrated by becoming the poem’s center of focus. Thus, the white hair is metaphorically turned into “shooting stars,” a bearer of hope for future love. As “time is/ nothing if not amenable,” growing old together becomes less startling and more acceptable. The lovers give themselves into temporality, as in the end, what really counts are “our memories,” instead of values of superficial nature.

The contrast between black and white simultaneously introduces us to a certain duality and contrasting forces that are at work and characterize the relationship of the same-sex couple. This is best achieved through a skillful use of antitheses and oxymora: Turbulent “explosions” are hence described as “still,” her lover as “precipitate and pragmatical” at the same time, the tin basin she invites her lover’s hair into, is simultaneously “battered and shiny”.
The passion of these women might be volatile and oppositional at times (“explosions,” “shock”). Then again it is presented as stable, and quiet, and thoroughly mutual. The rhyming pair in stanza one, i.e. “arranged” and “changed” again highlights the ever-changing dispositions of the couple.
Nevertheless, there is also a certain sense of order and symmetry to be found in this chaos, as the poetic voice speaks about “concentric shocks” that “arranged to meet the rings around the moon.” The use of alliterations, such as “precipitate and pragmatical” or “so soon so straight” eventually helps to form a certain sense of belonging and stability into this oppositional world by establishing paired units. 

Love can also be found at any surprising moment. The poem builds another contrast by juxtaposing a very daily, domestic sort of intimacy (the lichens or the “big tin basin”) with cosmic, heavenly aspects, such as the “moon,” “the heavens,” or the “shooting stars.”
While the first two stanzas elevate the lovers into a cosmic, metaphysical state of love, eventually, towards the end of the poem, the passion roots itself in a domestic, earthly way. Indeed, we can describe the first two stanzas as placed in a natural world, while the last stanza introduces us to a domestic, intimate space. Eventually “[t]he moon [is] drawn into the tin basin as into a well” (McCabe, 128) and becomes “battered and shiny.” Instead of being reflected in a natural setting, it is invited into the very domestic, daily life.
In this very private surrounding, the poetic subject is able to open herself. The closeness of these two persons is above all shown by the caring way, in which the poetic subject describes her lover’s hair in great detail. Using the confident vocative “come,” a direct appeal to the lover is made, reaffirming the presence of the lover and the bond of the couple.
The lifting arousal and final flattening might also hint towards an orgasm, the earth-bound shampooing being somewhat a kind of post-orgasmic sense of unity.

Citações sobre relações inter-artes e dialogismo (Diana V. Almeida)


“The parallels that have traditionally been drawn between the visual arts (painting in particular) and poetry are based on Western conceptions of mimetic representation.”
Ekphrastic poetry is necessarily limited to a description (or verbal bodying forth) of a specific visual object [thus, it recurs] to descriptive vividness and particularity, the corporeality of words, and the patterning of verbal artifices, (…) essential to the much broader category of literary pictorialism [which] places stringent demands upon its readers; it requires us to develop the ability to see what the poet describes, to develop (in Pope’s famous phrase) ‘quick poetic eyes’”
Wendorf, Richard. “Visual Arts and poetry”. The New Princetion Encyclopedia of Poetry and Poetics (1993). 1360 e 1362.

“Poets who paint and painters who write do not necessarily combine word and image in a single text; it is more likely, in fact, that they will produce separate works, including works that are difficult to compare and reconcile with each other.” 
Ex. e.e. cumings [poesia inovadora, pintura convencional]
Wendorf, Richard. “Visual Arts and poetry”. The New Princetion Encyclopedia of Poetry and Poetics (1993). 1361.

[Polyphony] “Mikhail Bakhtin’s term for a type of ‘dialogic’ prose in which more than one narratorial voice appears, not simply because an author has created several characters with distinguishable voices (…) but because a profoundly pluralistic narratorial voice is displaced into a polyphony of heterogeneous, discordant, or antithetic character voices which never are and never can be synthesized into one authorial vision/voice.”
T.V.F. Brogan, “Polyphonic Prose”. The New Princetion Encyclopedia of Poetry and Poetics (1993). 967.

domingo, 30 de novembro de 2014

"We are Far Away Within the View" - Visão e Verbo em Elizabeth Bishop (Prof. Diana Almeida)

Olá,
o seminário da próxima Quinta-feira, dia 4, vai ser extraordinário em relação ao percurso da sequência poética, visto que a Prof. Diana Almeida vem antes falar de um tema de que há muito se ocupa que são as relações inter-artes no feminino (óptimo para quem está a frequentar o seminário inter-artes em paralelo!).
Assim, segue a sua proposta, com links para os poemas que não estão na antologia:



E. Bishop. Cabin with Porthole. Aguarela e guache. S/d.
 Leiam “Large Bad Picture”, “The Monument” (de North and South, 1946) e Poem” (de Geography III (1976)
 
Leiam “Large Bad Picture”, “The Monument” e “Poem”.
Reflitam sobre o caráter auto-reflexivo dos poemas. Que estratégias usam estes textos para descrever os processos de criação artística? (Investiguem os conceitos de ekphrasis  e de dialogismo.) Pode-se estabelecer algum paralelismo entre os três poemas? Como definir a “arte poética” aqui apresentada por Elizabeth Bishop?
(alguma) Bibliografia
Bishop, Elizabeth. Poems, Prose, and Letters. Nova Iorque: Library of America, 2008.
“Large Bad Picture”, North and South (1946), 8-9.
“The Monument”, North and South, 18-20.
“Poem”, Geography III (1976), 164-166.
---. Exchanging Hats: Paintings. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1996.
Vamos ler algumas aguarelas, guaches, desenhos e objetos realizados por Bishop em diálogo com obras dos seguintes artistas visuais — Mary Cassatt, Matisse, Marcel Duchamp, Francis Picabia, Eudora Welty, Joseph Cornell, Hergé, Edward Hopper e Alexander Calder.

Sobre a sequência The Cold Spring, pede-se que dêm especial atenção ao poema inicial "A Cold Spring", "An Invitation to Miss Marianne Moore", "Arrival at Santos" e "The Cold Spring".
Pede-se ainda que não esqueçam de começar a ler a próxima obra, que não está na antologia (espera-se que a tenham adquirido), Paterson, de William Carlos Williams.
 Mas neste post é para responderem ao repto da Professora Diana Almeida. Façam favor!
 



quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Carta aos Viajantes - Inês


Little Gidding
Suspended in time, between pole and tropic


O voyagers, O seamen,


My words echo. Quick, said the bird, find them, find them. Men and bits of paper, whirled by the cold wind. Trying to learn to use words, and every attempt is a wholly new start, and a different kind of failure because one has only learnt to get the better of words for thethings one no longer has to say. Words move, music moves. The stillness of the violin, while the note lasts. Music heard so deeply that it is not heard at all, but you are the music while the music lasts.
So I find words I never thought to speak, in streets I never thought I should revisit when I left my body on a distant shore. Turning shadow into transient beauty. Every phrase and every sentence is an end and a beginning, every poem an epitaph. Biography from the wrinkles of the palm. Time present and time past. What might have been is an abstraction.
Home is where one start from. As we grow older the world becomes stranger. The tolling bell measures time older than time counted by anxious worried women lying awake. The silent withering of autumn flowers dropping their petals and remaining motionless. In a drifting boat with a slow leakage. There is no end, but addition. The ash the burnt roses leave. At the end of the journey, you came at night like a broken king.

Not fare well, but fare forward, voyagers.

Carta ao Maestro - Patrícia Marques


 Dear Maestro of the four quartets,
 In my beginning is my end. I am here or there or elsewhere is my beginning.
 All is always now. Desire is movement and love is unmoving. The poetry does not matter and wisdom is of humility. Humility is endless.
   I see between two worlds streets I never thought I should revisit. The river is within us, the sea is all about us and between two waves of the sea, a distant shore. That is where we/I start.
  We die with the dying and we are born with the dead. Life is a pattern of timeless moments: every moment is new and shocking. Love is the unfamiliar name and that is where we start from. We descend lower into the world of perpetual solitude an abstraction. Shall we follow into our first world? The turning world?
 At the still point of the turning world, time past and time future allow but a little consciousness. All time is unredeemable. There is a time for building and a time for living but, as we grow older, the world becomes stranger. As one becomes older, the past has another pattern and ceases to be a mere pattern. The future is a faded song and the time of death is every moment - the moment in and out of time.
  Only through time is time conquered.
 There is yet faith. There is only the trying, so each venture is a new beginning. We must go through the way in which we are not. There is no end but only addition. The future is a faded song and the right action is freedom.
 All shall be well because we have gone on trying. The end is where we start from.

 My dear maestro, in my end is my beginning.

Memória Descritiva de Patrícia e Inês - Cartas inspiradas em Four Quartets


 Apesar de Four Quartets serem quatro poemas longos, decidimos escrever duas cartas. Esta escolha deveu-se quer a um formato diferente, ou seja algo que não fosse um poema, quer à circunstância de num outro seminário (Estudos Inter-Artes) que estamos a ter. Pareceu-nos às duas que escrever uma carta cada era algo que podia dar-nos uma perspectiva diferente tanto do poema como da interpretação que cada uma faz dele.
 Apesar de ser um trabalho em grupo fizemos as nossas cartas em separado. Curiosamente partilhamos um hábito: quando lemos, temos sempre um lápis à mão para tirar notas ou sublinhar frases ou mesmo vários versos que gostamos. A partir daí, cada uma começou a compor a sua carta com frases que sublinho dos quatro poemas. A ideia era cada uma dar o seu sentido a essas frases mas não seguimos a ordem em que elas aparecem nos poemas, pelo menos isso não era obrigatório.
 Claro que isto resultou em duas cartas muito diferentes, até com destinatários distintos. Ao início, pensámos que as cartas podiam ser uma correspondência uma da outra mas ao ler as respetivas cartas, decidimos deixá-las como estavam: dois elementos separados, com ideias gerais diferentes mas com três frases em comum: “streets I never thought I should revisit”, “as we grow older the world becomes stranger” e “there is no end, but addition”. 

 O primeiro verso pertence ao poema Little Gidding que é um poema dominado pela presença da guerra e pelo sentimento de estar entre dois mundos. As cartas introduzem a questão de um mundo espiritual, que T. S. Eliot trabalha nos seus poemas, mundo este que pode estabelecer uma ligação à vida do dia-a-dia, uma vez que o sujeito poético consegue ligar-se a essa espiritualidade, que parece estar associada a memórias passadas, mesmo que o seu corpo físico não o acompanhe nessa ligação.

  O segundo verso, presente em East Coker, continua, de certa forma, nesta linha de ideias, uma vez que reflecte sobre a incapacidade do sujeito poético encontrar a nível espiritual um local em que se sinta em casa. Além disso em East Coker, o sujeito poético volta novamente a insistir na temática do tempo (presente em todos os poemas de uma forma ou outra) mas distingue-se por remeter para a infância. Este verso constrói uma sensação de melancolia da infância, porque quando se cresce apercebemo-nos de que não conhecemos o mundo assim tão bem, o que sublinha a noção de passagem de tempo muito presente nos poemas e as dificuldades que lhe são associadas.
 O último verso, retirado de Dry Salvages, tem uma carga negativa que continua associada a essa fluidez e passagem do tempo e das consequências que isso traz consigo, como se não houvesse a possibilidade de haver um fim para esses obstáculos. 

A humildade é um tema específico presente em Four Quartets, vista como a maneira de enfrentar a dor da existência humana, porque é o nosso ego que nos faz preocupar com a vida e com a morte. Na carta dirigida ao “Maestro” essa ideia mantém-se de forma explícita, porém na carta dirigida aos “voyagers” está apenas implícita, uma vez que transmite somente a preocupação humana centrada no “eu”.

Outra noção interessante nos poemas de Eliot é a relação entre o Homem e a natureza e como as acções do Homem não interrompem o percurso da natureza. As nossas cartas correspondem bastante com a primeira parte da temática, ou seja, a ligação entre o ser humano e vários elementos da natureza, como a água em movimento ou as pétalas de uma flor a murchar. As acções do Homem têm grande semelhança com as natureza, também em nós há constante movimento, também em nós se sente a passagem do tempo. 

O tempo não é visto como uma linha recta, todo o tempo parece estar contido num só, porque nos ligamos ao passado e ao futuro. No entanto, as nossas cartas captam marioritariamente a relação com o passado e como este é alcançado através da memória, é o passado que molda os remetentes, existindo apenas pequenas indicações em relação ao futuro. 

Porém, nas nossas cartas não só recuperamos algumas temáticas como damos a volta ao significado primário destes versos. O tema do Tempo continua presente nas duas cartas, assim como a noção de se estar entre dois Mundos (o que abre muitas possibilidades). Para nós não haver fim tem carga positiva e a ideia de adição está para lá das coisas negativas, é como se o fim não fosse necessariamente o momento final mas talvez o começo de algo diferente. É, de facto, interessante ver como partilhámos esta necessidade de introduzir temáticas semelhantes nas nossas cartas e de como tentámos modificar perspectivas mais negativas do original em visões optimistas. Ou seja, trabalhámos de duas maneiras esta manipulação do poema: fizemos um exercício de corta e cola em que alteramos bastante os sentidos para que aponta o poema, mas também fomos capazes de adoptar algumas das suas perspectivas. 


T. S. Eliot e as cantautoras

O David chamou a atenção para o paralelismo de uns versos de "East Coker" e esta canção de PJ Harvey:

Enviou também um link para um artigo da Poetry Foundation que assinala, além de PJ Harvey, outras relações entre o pop e T. S. Eliot: http://www.poetryfoundation.org/harriet/2012/05/pj-harvey-is-just-one-love-song-among-many-for-t-s-eliot/

Eu, pela minha parte, relendo a parte V de "The Dry Salvages", lembrei-me desta canção de Suzanne Vega:

https://www.youtube.com/watch?v=6aN-1fqRb6A

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Comparando notas: T. S. Eliot e a definição de poesia

Num ensaio de 1922, "Tradition and the Individual Talent," Eliot aponta o seguinte sobre uma possível definição de poesia.
  "...the historical sense compels a man to write not merely with his own generation in his bones, but with a feeling that the whole of the literature of Europe from Homer and within it the whole of the literature of his own country has a simultaneous existence and composes a simultaneous order. This historical sense, which is a sense of the timeless as well as of the temporal and of the timeless and of the temporal together, is what makes a writer traditional. And it is at the same time what makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his contemporaneity....
Some one said: 'The dead writers are remote from us because we know so much more than they did.' Precisely, and they are that which we know....
The progress of an artist is a continual self-sacrifice, a continual extinction of personality.... It is in this depersonalization that art may be said to approach the condition of science....
Poetry is not a turning loose of emotion, but an escape from emotion; it is not the expression of personality, but an escape from personality. But, of course, only those who have personality and emotions know what it means to want to escape from these things....
The emotion of art is impersonal. And the poet cannot reach this impersonality without surrendering himself wholly to the work to be done. And he is not likely to know what is to be done unless he lives in what is not merely the present, but the present moment of the past, unless he is conscious, not of what is dead, but of what is already living."
Em "East Coker" (1939( parece aproximar-se de Marianne Moore, por um lado, mas também colocar em causa a possibilidade das palavras de atingir o genuíno:

That was a way of putting it—not very satisfactory:
A periphrastic study in a worn-out poetical fashion,
Leaving one still with the intolerable wrestle
With words and meanings. The poetry does not matter.
It was not (to start again) what one had expected.
(...)
Trying to use words, and every attempt
Is a wholly new start, and a different kind of failure
Because one has only learnt to get the better of words
For the thing one no longer has to say, or the way in which
One is no longer disposed to say it. And so each venture
Is a new beginning, a raid on the inarticulate
With shabby equipment always deteriorating
In the general mess of imprecision of feeling,
Undisciplined squads of emotion

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Tropical Storm with Tiger - Henri Rousseau, 1891


T. S. Eliot 4 Quartets - find loose structure / elements of the structure

‘By the time that poem [East Coker] was finished I envisaged the whole work as having four parts which gradually began to assume, perhaps only for convenience sake, a relation to the four seasons and the four elements’ - Eliot writing to Professor William Matchett in 1949

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Marianne Moore, "The Pangolin" (full poem) - with apologies

http://www.poemhunter.com/poem/the-pangolin/

Albrecht Durer, "View of the Arco Valley", 1495


Marianne Moore (1887-1972) - metapoesia

Poetry (1935)



 I, too, dislike it: there are things that are important beyond
       all this fiddle.
    Reading it, however, with a perfect contempt for it, one
       discovers in
    it after all, a place for the genuine.
       Hands that can grasp, eyes
       that can dilate, hair that can rise
          if it must, these things are important not because a

 high-sounding interpretation can be put upon them but because
       they are
    useful. When they become so derivative as to become
       unintelligible,
    the same thing may be said for all of us, that we
       do not admire what
       we cannot understand: the bat
          holding on upside down or in quest of something to

 eat, elephants pushing, a wild horse taking a roll, a tireless
       wolf under
    a tree, the immovable critic twitching his skin like a horse
       that feels a flea, the base-
    ball fan, the statistician--
       nor is it valid
          to discriminate against "business documents and

 school-books"; all these phenomena are important. One must make
       a distinction
    however: when dragged into prominence by half poets, the
       result is not poetry,
    nor till the poets among us can be
      "literalists of
       the imagination"--above
          insolence and triviality and can present

 for inspection, "imaginary gardens with real toads in them,"
       shall we have
    it. In the meantime, if you demand on the one hand,
    the raw material of poetry in
       all its rawness and
       that which is on the other hand
          genuine, you are interested in poetry.
 
 

(rewritten in 1967 as:)

I, too, dislike it.
Reading it, however, with a perfect contempt for it, one discovers in
it, after all, a place for the genuine.

domingo, 16 de novembro de 2014

Introdução a "Understanding Poetry" de C. Brooks e R. P. Warren

Na caixa de comentários, escolher um argumento / caracterização definidora de poesia com que se discorde e outro com que se discorde. Nem que seja parcialmente!

Marianne Moore - sequência "The Old Dominon" (1936)

Escolha o poema preferido para uma análise, mencionando a sua função / lugar na sequência.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Primeiro Poema de "Mensagem" - Primeira Parte "Brasão" - Secção I "Os Campos"

O DOS CASTELOS


A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

1928 / 1934

Cesário Verde, "Avé-Marias"

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!


in O Sentimento de um Ociental (1880) 

domingo, 9 de novembro de 2014

Hart Crane, The Bridge - fios narrativos da sequência poética?

A tarefa desta semana é descortinar cerca de três linhas narrativas na sequência "The Bridge" e comentar como se configuram. Bom trabalho!

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Memória Descritiva da composição de poema e blues de Débora Morais


Inicialmente, quando decidi que iria escrever um poema, tinha em mente alguns temas dispersos, assim como algumas imagens difusas, tais como uma imagem de casas quase submersas por um rio, um músico de blues ao pé de uma linha de comboio, um pântano, um bar de blues numa cidade, pessoas a andar em todas as direcções numa rua movimentada, pessoas a dançar, uma criança a chorar, ou a dormir, entre outras que não me recordo. O que unia estas imagens eram sensações, talvez um pouco ambivalentes, quer de desalento, quer de movimento e energia. Comecei por descrever as imagens que tinha em mente, sem hesitar muito, e notei que precisava de um vínculo a nível temático. Notei que as imagens mais disfóricas estavam associadas à paisagem rural e a espaços de abandono, às quais associava uma sensação de desalento, e imaginava também inevitavelmente a figura do bluesman nestes cenários de abandono. Em contrapartida, também não pude deixar de pensar no movimento e no ritmo urbanos, e de imaginar simultaneamente os clubes e bares na cidade, e os músicos de blues e jazz. Cheguei à conclusão de que a música era o tema transversal e de que tinha de o ser também no poema. Tentei focar-me nas imagens e fui compondo os versos, pensando depois nas questões de ritmo e de rima e, ao mesmo tempo, na selecção do vocabulário que melhor transmitiria a sensação subjacente. Por exemplo, queria que a imagem do bluesman na estação de comboio transmitisse desalento e, nesse momento, pensei em usar "asleep", com a conveniência de poder também rimar com o verso anterior.
Quis também que a linha de comboio simbolizasse já a viagem e a transição, neste caso dos espaços rurais para as cidades, algo que é também preponderante a nível histórico e cultural. Nesta imagem, a figura do bluesman fica adormecida e, portanto, a imagem permanece estática, ao mesmo tempo que é a música que enche o espaço e que vai viajar pelo país.
Ainda que a transição para a cidade implicasse mudanças na tradição musical, tinha em mente transmitir a ideia de que as raízes da música afro-americana permanecem transversais às mudanças históricas e sociais. Deste modo, os versos finais unem a imagem urbana de dança e movimento, à imagem do bluesman inicialmente adormecido na estação.
Em termos de intertextualidade, há no poema a questão do "laugh", algo que foi desencadeado pela leitura da introdução de Langston Hughes aos "Blues", a questão dos espaços abandonados, presentes nos poemas "Railroad Avenue" ou "Sport", e a presença da música e dos espaços nocturnos, como em "Saturday Night".
Relativamente à parte musical, escrevi a letra de acordo com a estrutura formal dos Blues. Para a composição da letra, fui pensando em estabelecer ligações temáticas com o poema, nomeadamente a importância do "laugh" e da música como formas de resiliência, a viagem para a cidade e a transição da música para o espaço urbano.