Inicialmente, quando decidi que iria escrever
um poema, tinha em mente alguns temas dispersos, assim como algumas imagens
difusas, tais como uma imagem de casas quase submersas por um rio, um músico de
blues ao pé de uma linha de comboio,
um pântano, um bar de blues numa
cidade, pessoas a andar em todas as direcções numa rua movimentada, pessoas a
dançar, uma criança a chorar, ou a dormir, entre outras que não me recordo. O
que unia estas imagens eram sensações, talvez um pouco ambivalentes, quer de
desalento, quer de movimento e energia. Comecei por descrever as imagens que
tinha em mente, sem hesitar muito, e notei que precisava de um vínculo a nível
temático. Notei que as imagens mais disfóricas estavam associadas à paisagem
rural e a espaços de abandono, às quais associava uma sensação de desalento, e
imaginava também inevitavelmente a figura do bluesman nestes cenários de
abandono. Em contrapartida, também não pude deixar de pensar no movimento e no
ritmo urbanos, e de imaginar simultaneamente os clubes e bares na cidade, e os
músicos de blues e jazz. Cheguei à conclusão de que a música era o tema
transversal e de que tinha de o ser também no poema. Tentei focar-me nas
imagens e fui compondo os versos, pensando depois nas questões de ritmo e de
rima e, ao mesmo tempo, na selecção do vocabulário que melhor transmitiria a
sensação subjacente. Por exemplo, queria que a imagem do bluesman na estação de comboio transmitisse desalento e, nesse
momento, pensei em usar "asleep", com a conveniência de poder também
rimar com o verso anterior.
Quis também que a linha de comboio
simbolizasse já a viagem e a transição, neste caso dos espaços rurais para as
cidades, algo que é também preponderante a nível histórico e cultural. Nesta
imagem, a figura do bluesman fica
adormecida e, portanto, a imagem permanece estática, ao mesmo tempo que é a
música que enche o espaço e que vai viajar pelo país.
Ainda que a transição para a cidade implicasse
mudanças na tradição musical, tinha em mente transmitir a ideia de que as
raízes da música afro-americana permanecem transversais às mudanças históricas
e sociais. Deste modo, os versos finais unem a imagem urbana de dança e
movimento, à imagem do bluesman inicialmente adormecido na estação.
Em termos de intertextualidade, há no poema a
questão do "laugh", algo que foi desencadeado pela leitura da
introdução de Langston Hughes aos "Blues", a questão dos espaços
abandonados, presentes nos poemas "Railroad Avenue" ou
"Sport", e a presença da música e dos espaços nocturnos, como em
"Saturday Night".
Relativamente à parte musical, escrevi a letra
de acordo com a estrutura formal dos Blues. Para a composição da letra, fui
pensando em estabelecer ligações temáticas com o poema, nomeadamente a
importância do "laugh" e da música como formas de resiliência, a
viagem para a cidade e a transição da música para o espaço urbano.
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