quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Memória Descritiva da composição de poema e blues de Débora Morais


Inicialmente, quando decidi que iria escrever um poema, tinha em mente alguns temas dispersos, assim como algumas imagens difusas, tais como uma imagem de casas quase submersas por um rio, um músico de blues ao pé de uma linha de comboio, um pântano, um bar de blues numa cidade, pessoas a andar em todas as direcções numa rua movimentada, pessoas a dançar, uma criança a chorar, ou a dormir, entre outras que não me recordo. O que unia estas imagens eram sensações, talvez um pouco ambivalentes, quer de desalento, quer de movimento e energia. Comecei por descrever as imagens que tinha em mente, sem hesitar muito, e notei que precisava de um vínculo a nível temático. Notei que as imagens mais disfóricas estavam associadas à paisagem rural e a espaços de abandono, às quais associava uma sensação de desalento, e imaginava também inevitavelmente a figura do bluesman nestes cenários de abandono. Em contrapartida, também não pude deixar de pensar no movimento e no ritmo urbanos, e de imaginar simultaneamente os clubes e bares na cidade, e os músicos de blues e jazz. Cheguei à conclusão de que a música era o tema transversal e de que tinha de o ser também no poema. Tentei focar-me nas imagens e fui compondo os versos, pensando depois nas questões de ritmo e de rima e, ao mesmo tempo, na selecção do vocabulário que melhor transmitiria a sensação subjacente. Por exemplo, queria que a imagem do bluesman na estação de comboio transmitisse desalento e, nesse momento, pensei em usar "asleep", com a conveniência de poder também rimar com o verso anterior.
Quis também que a linha de comboio simbolizasse já a viagem e a transição, neste caso dos espaços rurais para as cidades, algo que é também preponderante a nível histórico e cultural. Nesta imagem, a figura do bluesman fica adormecida e, portanto, a imagem permanece estática, ao mesmo tempo que é a música que enche o espaço e que vai viajar pelo país.
Ainda que a transição para a cidade implicasse mudanças na tradição musical, tinha em mente transmitir a ideia de que as raízes da música afro-americana permanecem transversais às mudanças históricas e sociais. Deste modo, os versos finais unem a imagem urbana de dança e movimento, à imagem do bluesman inicialmente adormecido na estação.
Em termos de intertextualidade, há no poema a questão do "laugh", algo que foi desencadeado pela leitura da introdução de Langston Hughes aos "Blues", a questão dos espaços abandonados, presentes nos poemas "Railroad Avenue" ou "Sport", e a presença da música e dos espaços nocturnos, como em "Saturday Night".
Relativamente à parte musical, escrevi a letra de acordo com a estrutura formal dos Blues. Para a composição da letra, fui pensando em estabelecer ligações temáticas com o poema, nomeadamente a importância do "laugh" e da música como formas de resiliência, a viagem para a cidade e a transição da música para o espaço urbano.

Sem comentários:

Enviar um comentário