domingo, 30 de novembro de 2014

"We are Far Away Within the View" - Visão e Verbo em Elizabeth Bishop (Prof. Diana Almeida)

Olá,
o seminário da próxima Quinta-feira, dia 4, vai ser extraordinário em relação ao percurso da sequência poética, visto que a Prof. Diana Almeida vem antes falar de um tema de que há muito se ocupa que são as relações inter-artes no feminino (óptimo para quem está a frequentar o seminário inter-artes em paralelo!).
Assim, segue a sua proposta, com links para os poemas que não estão na antologia:



E. Bishop. Cabin with Porthole. Aguarela e guache. S/d.
 Leiam “Large Bad Picture”, “The Monument” (de North and South, 1946) e Poem” (de Geography III (1976)
 
Leiam “Large Bad Picture”, “The Monument” e “Poem”.
Reflitam sobre o caráter auto-reflexivo dos poemas. Que estratégias usam estes textos para descrever os processos de criação artística? (Investiguem os conceitos de ekphrasis  e de dialogismo.) Pode-se estabelecer algum paralelismo entre os três poemas? Como definir a “arte poética” aqui apresentada por Elizabeth Bishop?
(alguma) Bibliografia
Bishop, Elizabeth. Poems, Prose, and Letters. Nova Iorque: Library of America, 2008.
“Large Bad Picture”, North and South (1946), 8-9.
“The Monument”, North and South, 18-20.
“Poem”, Geography III (1976), 164-166.
---. Exchanging Hats: Paintings. Nova Iorque: Farrar, Strauss and Giroux, 1996.
Vamos ler algumas aguarelas, guaches, desenhos e objetos realizados por Bishop em diálogo com obras dos seguintes artistas visuais — Mary Cassatt, Matisse, Marcel Duchamp, Francis Picabia, Eudora Welty, Joseph Cornell, Hergé, Edward Hopper e Alexander Calder.

Sobre a sequência The Cold Spring, pede-se que dêm especial atenção ao poema inicial "A Cold Spring", "An Invitation to Miss Marianne Moore", "Arrival at Santos" e "The Cold Spring".
Pede-se ainda que não esqueçam de começar a ler a próxima obra, que não está na antologia (espera-se que a tenham adquirido), Paterson, de William Carlos Williams.
 Mas neste post é para responderem ao repto da Professora Diana Almeida. Façam favor!
 



quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Carta aos Viajantes - Inês


Little Gidding
Suspended in time, between pole and tropic


O voyagers, O seamen,


My words echo. Quick, said the bird, find them, find them. Men and bits of paper, whirled by the cold wind. Trying to learn to use words, and every attempt is a wholly new start, and a different kind of failure because one has only learnt to get the better of words for thethings one no longer has to say. Words move, music moves. The stillness of the violin, while the note lasts. Music heard so deeply that it is not heard at all, but you are the music while the music lasts.
So I find words I never thought to speak, in streets I never thought I should revisit when I left my body on a distant shore. Turning shadow into transient beauty. Every phrase and every sentence is an end and a beginning, every poem an epitaph. Biography from the wrinkles of the palm. Time present and time past. What might have been is an abstraction.
Home is where one start from. As we grow older the world becomes stranger. The tolling bell measures time older than time counted by anxious worried women lying awake. The silent withering of autumn flowers dropping their petals and remaining motionless. In a drifting boat with a slow leakage. There is no end, but addition. The ash the burnt roses leave. At the end of the journey, you came at night like a broken king.

Not fare well, but fare forward, voyagers.

Carta ao Maestro - Patrícia Marques


 Dear Maestro of the four quartets,
 In my beginning is my end. I am here or there or elsewhere is my beginning.
 All is always now. Desire is movement and love is unmoving. The poetry does not matter and wisdom is of humility. Humility is endless.
   I see between two worlds streets I never thought I should revisit. The river is within us, the sea is all about us and between two waves of the sea, a distant shore. That is where we/I start.
  We die with the dying and we are born with the dead. Life is a pattern of timeless moments: every moment is new and shocking. Love is the unfamiliar name and that is where we start from. We descend lower into the world of perpetual solitude an abstraction. Shall we follow into our first world? The turning world?
 At the still point of the turning world, time past and time future allow but a little consciousness. All time is unredeemable. There is a time for building and a time for living but, as we grow older, the world becomes stranger. As one becomes older, the past has another pattern and ceases to be a mere pattern. The future is a faded song and the time of death is every moment - the moment in and out of time.
  Only through time is time conquered.
 There is yet faith. There is only the trying, so each venture is a new beginning. We must go through the way in which we are not. There is no end but only addition. The future is a faded song and the right action is freedom.
 All shall be well because we have gone on trying. The end is where we start from.

 My dear maestro, in my end is my beginning.

Memória Descritiva de Patrícia e Inês - Cartas inspiradas em Four Quartets


 Apesar de Four Quartets serem quatro poemas longos, decidimos escrever duas cartas. Esta escolha deveu-se quer a um formato diferente, ou seja algo que não fosse um poema, quer à circunstância de num outro seminário (Estudos Inter-Artes) que estamos a ter. Pareceu-nos às duas que escrever uma carta cada era algo que podia dar-nos uma perspectiva diferente tanto do poema como da interpretação que cada uma faz dele.
 Apesar de ser um trabalho em grupo fizemos as nossas cartas em separado. Curiosamente partilhamos um hábito: quando lemos, temos sempre um lápis à mão para tirar notas ou sublinhar frases ou mesmo vários versos que gostamos. A partir daí, cada uma começou a compor a sua carta com frases que sublinho dos quatro poemas. A ideia era cada uma dar o seu sentido a essas frases mas não seguimos a ordem em que elas aparecem nos poemas, pelo menos isso não era obrigatório.
 Claro que isto resultou em duas cartas muito diferentes, até com destinatários distintos. Ao início, pensámos que as cartas podiam ser uma correspondência uma da outra mas ao ler as respetivas cartas, decidimos deixá-las como estavam: dois elementos separados, com ideias gerais diferentes mas com três frases em comum: “streets I never thought I should revisit”, “as we grow older the world becomes stranger” e “there is no end, but addition”. 

 O primeiro verso pertence ao poema Little Gidding que é um poema dominado pela presença da guerra e pelo sentimento de estar entre dois mundos. As cartas introduzem a questão de um mundo espiritual, que T. S. Eliot trabalha nos seus poemas, mundo este que pode estabelecer uma ligação à vida do dia-a-dia, uma vez que o sujeito poético consegue ligar-se a essa espiritualidade, que parece estar associada a memórias passadas, mesmo que o seu corpo físico não o acompanhe nessa ligação.

  O segundo verso, presente em East Coker, continua, de certa forma, nesta linha de ideias, uma vez que reflecte sobre a incapacidade do sujeito poético encontrar a nível espiritual um local em que se sinta em casa. Além disso em East Coker, o sujeito poético volta novamente a insistir na temática do tempo (presente em todos os poemas de uma forma ou outra) mas distingue-se por remeter para a infância. Este verso constrói uma sensação de melancolia da infância, porque quando se cresce apercebemo-nos de que não conhecemos o mundo assim tão bem, o que sublinha a noção de passagem de tempo muito presente nos poemas e as dificuldades que lhe são associadas.
 O último verso, retirado de Dry Salvages, tem uma carga negativa que continua associada a essa fluidez e passagem do tempo e das consequências que isso traz consigo, como se não houvesse a possibilidade de haver um fim para esses obstáculos. 

A humildade é um tema específico presente em Four Quartets, vista como a maneira de enfrentar a dor da existência humana, porque é o nosso ego que nos faz preocupar com a vida e com a morte. Na carta dirigida ao “Maestro” essa ideia mantém-se de forma explícita, porém na carta dirigida aos “voyagers” está apenas implícita, uma vez que transmite somente a preocupação humana centrada no “eu”.

Outra noção interessante nos poemas de Eliot é a relação entre o Homem e a natureza e como as acções do Homem não interrompem o percurso da natureza. As nossas cartas correspondem bastante com a primeira parte da temática, ou seja, a ligação entre o ser humano e vários elementos da natureza, como a água em movimento ou as pétalas de uma flor a murchar. As acções do Homem têm grande semelhança com as natureza, também em nós há constante movimento, também em nós se sente a passagem do tempo. 

O tempo não é visto como uma linha recta, todo o tempo parece estar contido num só, porque nos ligamos ao passado e ao futuro. No entanto, as nossas cartas captam marioritariamente a relação com o passado e como este é alcançado através da memória, é o passado que molda os remetentes, existindo apenas pequenas indicações em relação ao futuro. 

Porém, nas nossas cartas não só recuperamos algumas temáticas como damos a volta ao significado primário destes versos. O tema do Tempo continua presente nas duas cartas, assim como a noção de se estar entre dois Mundos (o que abre muitas possibilidades). Para nós não haver fim tem carga positiva e a ideia de adição está para lá das coisas negativas, é como se o fim não fosse necessariamente o momento final mas talvez o começo de algo diferente. É, de facto, interessante ver como partilhámos esta necessidade de introduzir temáticas semelhantes nas nossas cartas e de como tentámos modificar perspectivas mais negativas do original em visões optimistas. Ou seja, trabalhámos de duas maneiras esta manipulação do poema: fizemos um exercício de corta e cola em que alteramos bastante os sentidos para que aponta o poema, mas também fomos capazes de adoptar algumas das suas perspectivas. 


T. S. Eliot e as cantautoras

O David chamou a atenção para o paralelismo de uns versos de "East Coker" e esta canção de PJ Harvey:

Enviou também um link para um artigo da Poetry Foundation que assinala, além de PJ Harvey, outras relações entre o pop e T. S. Eliot: http://www.poetryfoundation.org/harriet/2012/05/pj-harvey-is-just-one-love-song-among-many-for-t-s-eliot/

Eu, pela minha parte, relendo a parte V de "The Dry Salvages", lembrei-me desta canção de Suzanne Vega:

https://www.youtube.com/watch?v=6aN-1fqRb6A

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Comparando notas: T. S. Eliot e a definição de poesia

Num ensaio de 1922, "Tradition and the Individual Talent," Eliot aponta o seguinte sobre uma possível definição de poesia.
  "...the historical sense compels a man to write not merely with his own generation in his bones, but with a feeling that the whole of the literature of Europe from Homer and within it the whole of the literature of his own country has a simultaneous existence and composes a simultaneous order. This historical sense, which is a sense of the timeless as well as of the temporal and of the timeless and of the temporal together, is what makes a writer traditional. And it is at the same time what makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his contemporaneity....
Some one said: 'The dead writers are remote from us because we know so much more than they did.' Precisely, and they are that which we know....
The progress of an artist is a continual self-sacrifice, a continual extinction of personality.... It is in this depersonalization that art may be said to approach the condition of science....
Poetry is not a turning loose of emotion, but an escape from emotion; it is not the expression of personality, but an escape from personality. But, of course, only those who have personality and emotions know what it means to want to escape from these things....
The emotion of art is impersonal. And the poet cannot reach this impersonality without surrendering himself wholly to the work to be done. And he is not likely to know what is to be done unless he lives in what is not merely the present, but the present moment of the past, unless he is conscious, not of what is dead, but of what is already living."
Em "East Coker" (1939( parece aproximar-se de Marianne Moore, por um lado, mas também colocar em causa a possibilidade das palavras de atingir o genuíno:

That was a way of putting it—not very satisfactory:
A periphrastic study in a worn-out poetical fashion,
Leaving one still with the intolerable wrestle
With words and meanings. The poetry does not matter.
It was not (to start again) what one had expected.
(...)
Trying to use words, and every attempt
Is a wholly new start, and a different kind of failure
Because one has only learnt to get the better of words
For the thing one no longer has to say, or the way in which
One is no longer disposed to say it. And so each venture
Is a new beginning, a raid on the inarticulate
With shabby equipment always deteriorating
In the general mess of imprecision of feeling,
Undisciplined squads of emotion

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Tropical Storm with Tiger - Henri Rousseau, 1891


T. S. Eliot 4 Quartets - find loose structure / elements of the structure

‘By the time that poem [East Coker] was finished I envisaged the whole work as having four parts which gradually began to assume, perhaps only for convenience sake, a relation to the four seasons and the four elements’ - Eliot writing to Professor William Matchett in 1949

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Marianne Moore, "The Pangolin" (full poem) - with apologies

http://www.poemhunter.com/poem/the-pangolin/

Albrecht Durer, "View of the Arco Valley", 1495


Marianne Moore (1887-1972) - metapoesia

Poetry (1935)



 I, too, dislike it: there are things that are important beyond
       all this fiddle.
    Reading it, however, with a perfect contempt for it, one
       discovers in
    it after all, a place for the genuine.
       Hands that can grasp, eyes
       that can dilate, hair that can rise
          if it must, these things are important not because a

 high-sounding interpretation can be put upon them but because
       they are
    useful. When they become so derivative as to become
       unintelligible,
    the same thing may be said for all of us, that we
       do not admire what
       we cannot understand: the bat
          holding on upside down or in quest of something to

 eat, elephants pushing, a wild horse taking a roll, a tireless
       wolf under
    a tree, the immovable critic twitching his skin like a horse
       that feels a flea, the base-
    ball fan, the statistician--
       nor is it valid
          to discriminate against "business documents and

 school-books"; all these phenomena are important. One must make
       a distinction
    however: when dragged into prominence by half poets, the
       result is not poetry,
    nor till the poets among us can be
      "literalists of
       the imagination"--above
          insolence and triviality and can present

 for inspection, "imaginary gardens with real toads in them,"
       shall we have
    it. In the meantime, if you demand on the one hand,
    the raw material of poetry in
       all its rawness and
       that which is on the other hand
          genuine, you are interested in poetry.
 
 

(rewritten in 1967 as:)

I, too, dislike it.
Reading it, however, with a perfect contempt for it, one discovers in
it, after all, a place for the genuine.

domingo, 16 de novembro de 2014

Introdução a "Understanding Poetry" de C. Brooks e R. P. Warren

Na caixa de comentários, escolher um argumento / caracterização definidora de poesia com que se discorde e outro com que se discorde. Nem que seja parcialmente!

Marianne Moore - sequência "The Old Dominon" (1936)

Escolha o poema preferido para uma análise, mencionando a sua função / lugar na sequência.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Primeiro Poema de "Mensagem" - Primeira Parte "Brasão" - Secção I "Os Campos"

O DOS CASTELOS


A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

1928 / 1934

Cesário Verde, "Avé-Marias"

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!


in O Sentimento de um Ociental (1880) 

domingo, 9 de novembro de 2014

Hart Crane, The Bridge - fios narrativos da sequência poética?

A tarefa desta semana é descortinar cerca de três linhas narrativas na sequência "The Bridge" e comentar como se configuram. Bom trabalho!

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Memória Descritiva da composição de poema e blues de Débora Morais


Inicialmente, quando decidi que iria escrever um poema, tinha em mente alguns temas dispersos, assim como algumas imagens difusas, tais como uma imagem de casas quase submersas por um rio, um músico de blues ao pé de uma linha de comboio, um pântano, um bar de blues numa cidade, pessoas a andar em todas as direcções numa rua movimentada, pessoas a dançar, uma criança a chorar, ou a dormir, entre outras que não me recordo. O que unia estas imagens eram sensações, talvez um pouco ambivalentes, quer de desalento, quer de movimento e energia. Comecei por descrever as imagens que tinha em mente, sem hesitar muito, e notei que precisava de um vínculo a nível temático. Notei que as imagens mais disfóricas estavam associadas à paisagem rural e a espaços de abandono, às quais associava uma sensação de desalento, e imaginava também inevitavelmente a figura do bluesman nestes cenários de abandono. Em contrapartida, também não pude deixar de pensar no movimento e no ritmo urbanos, e de imaginar simultaneamente os clubes e bares na cidade, e os músicos de blues e jazz. Cheguei à conclusão de que a música era o tema transversal e de que tinha de o ser também no poema. Tentei focar-me nas imagens e fui compondo os versos, pensando depois nas questões de ritmo e de rima e, ao mesmo tempo, na selecção do vocabulário que melhor transmitiria a sensação subjacente. Por exemplo, queria que a imagem do bluesman na estação de comboio transmitisse desalento e, nesse momento, pensei em usar "asleep", com a conveniência de poder também rimar com o verso anterior.
Quis também que a linha de comboio simbolizasse já a viagem e a transição, neste caso dos espaços rurais para as cidades, algo que é também preponderante a nível histórico e cultural. Nesta imagem, a figura do bluesman fica adormecida e, portanto, a imagem permanece estática, ao mesmo tempo que é a música que enche o espaço e que vai viajar pelo país.
Ainda que a transição para a cidade implicasse mudanças na tradição musical, tinha em mente transmitir a ideia de que as raízes da música afro-americana permanecem transversais às mudanças históricas e sociais. Deste modo, os versos finais unem a imagem urbana de dança e movimento, à imagem do bluesman inicialmente adormecido na estação.
Em termos de intertextualidade, há no poema a questão do "laugh", algo que foi desencadeado pela leitura da introdução de Langston Hughes aos "Blues", a questão dos espaços abandonados, presentes nos poemas "Railroad Avenue" ou "Sport", e a presença da música e dos espaços nocturnos, como em "Saturday Night".
Relativamente à parte musical, escrevi a letra de acordo com a estrutura formal dos Blues. Para a composição da letra, fui pensando em estabelecer ligações temáticas com o poema, nomeadamente a importância do "laugh" e da música como formas de resiliência, a viagem para a cidade e a transição da música para o espaço urbano.

Um poema e um blues de Débora Morais


Blues Went to the City

A village. Another one with no name
Its name is no name, ghost-made
Dusty people in weary clothes
Crossing the street
A man fell asleep
On a train station seat
Never saw him waking --
I heard his guitar echoing,
Playing the whole country
Now in a city.
I hear that ancient rhythm
but also laughs full of light
and I laugh, too
Electrically
While a child helplessly weeps
People dance outside in the street.
Their footsteps' swing,
The trainstation man's heartbeat
They're one

______________________________________
 When I was feelin' lonely
I always used to cry
When I was feelin' lonely
I always used to cry
But my timber heart rhythm
Made my tears dry

Some may think I'm a fool
'Cause I laugh loud and rough
Yeah some may think I'm a fool
'Cause I laugh loud and rough
Well they just do not know
How this country made me tough

I made my way to the city
With nothin' but my blues
So I made my way to the city
'Cause I ain't got nothin' but the blues
All I could find was no work
I had no dime to buy new shoes

And now I'm here by myself
All I see is white men walkin'
And now I'm here by myself
All I hear is white men talkin'
While I'm here playin'
And all the black men do the workin'

... e um vídeo deste último, com voz de Catarina e música de Débora
 

Langston Hughes (1902-1967) e "The New Negro"

1870 - 5th Amendment: direito de voto aos indivíduos negros de sexo masculino (indiscriminação do sexo no acesso ao voto só seria ratificada pelo 19th Amendment em 1920).

MAS condições de direito a voto (imposto de eleitor, literacia, etc) continuaram a impedir na prática o acesso dos afro-americanos às urnas.

1902 - Nasce Langston Hughes, em Joplin, Missouri, segundo filho de Carrie Mercer Langston (prof. primária) e James Nathaniel Hughes, que cedo se separa da mulher e se instala no México, revoltado contra a política racial e de classe dos EUA. L. Hughes é sobretudo criado pela avó materna, que fora das primeiras mulheres a frequentar Oberlin College.

1910 - Fundação da  National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) com a revista mensal Crisis 

1917 - Marcus Garvey, nascido na Jamaica, chega  a Harlem e funda a United Negro Improvement Association (UNIA)


1919 - W. E. B. Dubois organiza o Congresso Pan-Africano em Paris

120-1933 - Prohibition

1921 - Langston Hughes ingressa na Universidade de Columbia, curso de engenharia. Sairá em 1922 devido ao preconceito racial.
É fundada a Black Swan Phonograph Corporation (editora de jazz); Langston Hughes publica "The Negro Speaks of Rivers" na revista Crisis.

1920's: emergência da onda do jazz na Beale Street (Memphis Blues: Armstrong, Muddie Waters, Albert King...)

1922-24 - Hughes entra na marinha e passa tempo na Europa (Londres e Paris)

1922 - Publicação da antologia The Book of American Negro Poetry.

1923: Duke Ellington chega a NY com a banda The Washingtonians; abertura do Cotton Club em Harlem; Josephine Baker actua na Broadway. 

1924 - Hughes regressa para viver com a mãe em Washington D. C., trabalha como secretário de um historiador, mas deixa o emprego para ter mais tempo para a escrita e vai trabalhar como paquete do Wardman Hotel.

1924 - Countee Cullen ganha o primeiro prémio da Witter Bynner Poetry Competition

1925 - Antologia The New Negro (ed. Alain Locke), com Countee Cullen, Langston Hughes, Zora Neale Hurston. Hughes encontra Vachel Lindsay, que se tornará promotor da sua poesia.

 1926 - The Weary Blues (Knopf); fundação de uma revista, Fire!!, com Z. Neale Hurston e Wallace Thurman.

1927 - Fine Clothes to The Jew (Knopf)

1929 - peça de teatro de Wallace Thurman, Harlem, abre na Broadway.

1930 - publicação do primeiro romance de de L. Hughes, Not Without Laughter

1932 - atraído pelo Comunismo, L. Hughes integra um grupo de artistas americanos que viaja à União Soviética para rodar um filme sobre a luta afro-americana nos EUA.

1937 - publicação de Their Eyes Were Watching God, de Zora Neale Hurston.  Hughes viaja a Espanha para apoiar a Guerra Civil Espanhola.

1953 - Hughes responde perante o Tribunal do Senador McCarthy

1955- 1 de Dez. - episódio de Rosa Parks e início do Movimento dos Direitos Civis.

1959 - disco Weary Blues com Charles Mingus (1922-1979) e Leonard Feather (1914-1994)



segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Fine Clothes to the Jew

Comentem aqui o poema que consideram mais marcante da sequência, e os aspetos que apresenta de integração e / ou desvio da(s) poética(s) modernista(s).